sábado, outubro 22, 2005

O SIM DE FREI BETTO

Você já entrou numa loja para comprar arma? Experimente. Vão lheexigir uma série de documentos. Isso significa que bandido não compra arma no comércio legal. Aliás, muitas armas usadas pelos bandidos são privativas das Forças Armadas. Não estão à venda. Portanto, ao comprar arma em loja, legalmente, o consumidor está, primeiro, dando lucro à indústria bélica. E estocando o que poderá ser, amanhã, a arma do bandido. Estive preso quatro anos na ditadura militar, os dois últimos em companhia de bandidos, em penitenciárias de São Paulo, como o Carandiru. Perguntei como eles obtinham armas. Deram-me três respostas: comprando de policiais e militares; tomando de vítimas de assaltos; e - acredite quem quiser - no mercado negro de Aparecida (SP).Então há um mercado negro ao pé do principal santuário do país? Explicaram que muitos romeiros vão a Aparecida pagar promessas, o que muitas vezes implica "entregar a arma à santa". São pessoas que escaparam de um enfrentamento armado, tiveram um parente assassinado por arma de fogo ou agradecem assim a uma graça recebida. Como a padroeira do Brasil não desce do altar para receber o ex-voto, então o peregrino o vende ali, apreço barato. Mês passado ladrões entraram na casa de meu irmão. Apesar dos cães e sistemas de controle e alarme, os bandidos simplesmente estacionaram o Renault com vidros escuros atrás do carro de meu irmão quando este saía da garagem. Fizeram uma limpa. A maior insistência foi para que a vítima entregasse a arma. Não havia. Só acreditaram quando meu irmão lhes disse: "Revistem tudo. Se encontrarem, podem me dar um tiro com ela". É isso. Quem compra armas e munições no comércio legal abastece o comércio ilegal. E os bandidos. E quantas pessoas você conhece que, assaltadas, reagiram aos bandidos? Conheço ao menos meia-dúzia. Nenhuma delas enfrentou armada o assaltante. Ou porque a arma estava escondida em lugar de difícil acesso (e, como diz o Evangelho, ladrão não marca hora), ou porque verificaram que o poder de fogo dos agressores era maior. Todos, em seguida, livraram-se para sempre de suas armas. Votar "não" à proibição do comércio de armas é favorecer a indústria damorte, esta que fabrica armas e munições. Capital que deveria seraplicado na vida, como em produtos agrícolas ou que favoreçam a saúde e aeducação Com a proibição do comércio, haverá menos aquisições legais dearmas. Isso não reduzirá o número de assaltos. Mas diminuirá o número de armas roubadas para serem utilizadas por bandidos. Os que entraram na casa de meu irmão saíram com as armas que trouxeram, sem acréscimo a seu arsenal particular. Mesmo com a proibição, armas continuarão chegando ao Brasil via contrabando e via corrupção policial-militar. Como a droga. É proibida e nem por isso deixa de ser encontrada por quem a procura. Estou de acordo que a questão é mais embaixo: como reduzir aviolência? O número de bandidos? Vejo dois caminhos: escolaridade e educação. Aparentemente trata-se da mesma coisa. Ledo engano. Há nestas duas capitais, Rio e São Paulo, 2,3 milhões de jovens, entre 14 e 24 anos, que não terminaram o ensino fundamental. Cerca de 80% dos assassinos provêm desse contingente. E também 80% dos assassinados.Escolaridade, entretanto, não é o suficiente. Há quem possua diploma de doutorado e careça de educação. Como os cientistas que fabricambombas, minas de guerra, armas bacteriológicas e gases letais, instrumentos de tortura e cadeiras elétricas. O país mais violento do mundo é o maisrico e mais avançado técnica e cientificamente: os EUA. Suas prisões guardam 2 milhões de pessoas. Vários estados adotam a pena de morte. E nada disso faz diminuir a violência.Há nos EUA uma cultura de morte, desde o uso infantil de videogames deguerras virtuais à banalização das armas de fogo, somada aoindividualismo exacerbado e ao espírito belicista do governo. Uma educação para a paz supõe abraçar os valores evangélicos do perdão, da compaixão, da solidariedade e, sobretudo, da justiça. Talvez você, que pensa em votar "não", prossiga decidido a jamais possuir uma arma. Contudo, a indústria bélica agradece o seu voto. Inclusive os bandidos que, através de pessoas legais (namoradas, parentes ou amigos sob ameaça), continuarão a adquirir armas. O que ficará mais difícil caso vença o "sim", proibindo no Brasil o comércio legal de armas e munições. O referendo de 23 de outubro é uma conquista da sociedade. Mas não ésuficiente. Agora deveríamos nos mobilizar para decidir se o governodeve ou não aplicar menos de 15% do PIB em educação. Os países asiáticos, como demonstrou o Jornal Nacional este mês, saíram destroçados da guerra e viraram potências por aplicarem de 12% a 19%. O Brasil aplica apenas 4,4%. Uma ninharia. É preciso, no mínimo, dobrar o tempo do aluno na escola, o salário dos professores, o número de escolas e bibliotecas públicas, e a qualidade do ensino. Fico com Jesus: "Amai-vos uns aos outros". E não com a indústriabélica: ARmai-vos uns aos outros

Frei Betto Escritor,
é autor de Alfabetto - Autobiografia Escolar(Ed. Ática),entre outros livros.

Flávio Mussa Tavares

http://homeopatiaevida.zip.net

http://espiritismocristao.blogspot.com

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