quarta-feira, julho 01, 2009

VERÔNICA, A PIEDOSA


Considerando como possíveis as informações do evangelho apócrifo de Nicodemos, acredita-se que a mulher hemorroíssa é a mesma legendária Verônica, que suavizou a dor de Jesus com o seu gesto heróico de enfrentar fortes soldados para demonstrar a sua gratidão a Jesus. Esta é a segunda parte do poema para Verônica.




Flávio Mussa Tavares

Verônica, livre do seu drama
Fita, de Jesus a face.
E o observa afastar-se
Envolvido pela massa humana.
Queria chorar, fazer sua catarse,
Mas algo continha sua gana.

Como refazer sua vida,
Se já não podia voltar aos seus?
Movida, então, por uma energia
Que dentro de si ainda corria,
Decidiu por fim viver para Deus.

Encontrou o Senhor que buscava
Nas pessoas dos hansenianos.
Pensava as suas lesões
Sempre aplicando um pano
Na face daqueles seres humanos.
Era assim que se consolava
E animava os seus corações.

Passaram-se dois anos de lutas
E ela sentiu uma forte vontade
De deixar aquelas grutas
Dos seus amigos lázaros.
Saiu então daquela cidade
E foi para muito mais além.
Como a mulher que enche os cântaros
Com fé, foi para Jerusalém.

Ao chegar a capital
Uma triste revelação
Calou fundo em seu coração.
Jesus fora condenado
Sem haver cometido
Sequer um pecado.
E a sentença final
Publicou-se no edito,
Era a crucificação.

Vê, então, ao longe a multidão
Seguindo um homem e sua cruz.
Sente, de novo, a mesma sensação
Do dia em que viu a intensa luz
Que emanara do peito de Jesus
Libertando-a de sua danação.

Ela estava perplexa
Diante do quadro que via.
Os ingratos e sua zombaria.
Como entender esta situação complexa?

Viu consternada, a Santa Face
Mutilada e ensangüentada
Daquele que um dia a salvara
Para que não se humilhasse.
Era aquele mesmo que a curara.

Sentindo-se impotente
Imensamente indignada
Quis gritar àquela gente
Quis lutar por seu Senhor.
Percebeu enfim, do nada,
A sensação do tremor.
O olhar de Jesus o seu fitava
E encheu-se de temor.

Vendo verter gotas rubras
Onde os acúleos penetravam
Pensou: Há algo que cubra
Ou suavize as dores que o cravam?

Mais uma vez Verônica
Encontrou espaço entre o povo
Que ensandecido gritava.
E aproximando-se lacônica,
Agora com outra intenção,
Sob a visão irônica
Tocou aquele que amava.

Se o Seu manto lhe curara
Há muito tempo havia
Ao simples toque de fé,
Sua grave hemorragia.
Então ajudaria
Aquele a quem buscara:
O Jesus de Nazaré.

Daquela face o sangue
Vertia impunemente.
Tomou então o seu manto
E fez o que tinha em mente:
Cobriu o rosto santo
Que continuava exangue.

Foi assim que naquele calvário
A que outrora Ele curara
Compôs o santo sudário.

E ela julgou escutar
Um sussurro transcendente:
-Seja sempre relembrada
A sua ação comovente.

Nesse instante um homem bruto
Afasta-a daquele avatar
Que lhe dirige o olhar
Como o brilho de uma estrela
Que ao seu espírito em luto
Era impossível descrevê-la.

Eis a história desta mulher que duas vezes buscou
Um homem entre a multidão.
Da primeira , o Seu manto a curou
Do sangue que ela vertia.
Na seguinte o manto dela
Suavizou a Sua Paixão
E marcou como numa tela
Uma hematografia.

Esta mulher piedosa
É símbolo de coragem.
Pois enfrentou impetuosa
A fúria do homem.

E para testemunhar
A sua gratidão
Tocou para suavizar,
Com a sua adoração,
O semblante de Jesus,
Que embora pálido e triste,
Irradiou a mais intensa luz
Que existe!










4 comentários:

Pedro Tavares disse...

Belíssimo o poema!
Que pensamentos maravilhosos sobre esta mulher pouco lembrada por todos nós...

Juliana Tavares disse...

Muito bom o poema em duas partes sobre Verônica, a hemorroíssa... Parabéns, pai!

Saulo Rocha Tavares disse...

Excelente o poema
faço minhas as palavras de pedro

G. disse...

que lindo, Flávio!